Zero À Esquerda - Edição Quatorze
O dia começou mau humorado, cinza, baixo-astral. Nada que não pudesse ser superado, afinal, o sentimento interior estava estranhamente positivo. Era sábado, dia de trabalhar muito e, portanto, cansativo.
Para completar o cenário perfeito, chovia, abafado. Literalmente, era um dia modorrento. A vontade maior era a de ficar atirado, sem fazer nada. A menor, era a de ir até a farmácia, ser simpático, sorrir para as pessoas e pensar em fórmulas, princípios ativos, indicações, contra-indicações e cinética de fármacos.
Como é dia de vacinação na cidade e, como premiação ao contexto do dia, um dos postos mais movimentados da cidade fica dentro do mesmo supermercado onde se encontra a farmácia que trabalho. O movimento na farmácia é caótico e, claro, aquele senhor que vai TODOS os sábados e conversa fiado durante mais de hora não poderia deixar de faltar neste.
Lá pelas 14h ele adentra, triunfante, com sua camisa aberta até metade do peito, estampando o medalhão dourado que refletiria o Sol com precisão, se ele não estivesse encoberto por nuvens. Acompanhado sempre de um docinho, mimo que ele leva para minha chefe, oitavado no balcão ele começa seu showzinho particular. O repertório já é conhecido por nós: carteira de habilitação, Bio Redux, cervejinha, Cialis e outras histórias engraçadíssimas.
Porém, hoje, ele foi enviado com o intuito de contrapontear a sonolência do dia. Com a intenção ingênua de nos mostrar um presente recém comprado, ele simplesmente causou um tsunami no balcão da farmácia. Uma florzinha cultivada há semanas por nós, simplesmente foi desintegrada com uma passada rápida de braço, atirando terra, pedrinhas, pétalas e toda a estrutura que um planta possui no chão. Só nos restou rir. E limpar tudo, é claro.
Nosso ilustre visitante parecia não desistir de sua apresentação. Mesmo com a entrada praticamente ininterrupta de clientes que precisavam disputar à cotoveladas uma vaguinha no balcão, afinal nosso mestre de cerimônias não arredava um centímetro de sua posição privilegiada.
Após um discurso com ares de ‘conhecedor de causa’ a respeito de medicamentos controlados, onde minha colega não concordou com algumas afirmações, nosso show man lança a frase do dia: “Olha menina, confia em mim, quem amiga, aviso é”! Putz, essa foi o suficiente para mudar radicalmente os ares do nosso dia. Após um ataque de riso de alguns minutos, onde clientes tiveram que esperar, sem entender nada, é claro, conseguimos voltar ao nosso normal, porém com um ânimo totalmente renovado.
Claro, pra quem está lendo isso, se é que alguém está, essa pequena historinha não tem a menor graça. Mas o objetivo não era esse e, sim, mostrar como devemos estar sempre de mente aberta para o nosso dia-a-dia. Sempre vai haver um momento em que, se estivermos atentos, vai mudar completamente o sentido daquele dia que tinha tudo para ser cinza e, ‘de repente, não mais que de repente’, torna-se colorido e alegre.
Agradeço hoje, ao nosso cliente, por ter mudado completamente o nosso humor, a despeito do tempo lá fora. Sem contar com os tapinhas ‘delicados’ em nossos ombros. Tão delicado que algum dia vai deslocar uma clavícula. Mas tudo bem. Enquanto ele nos proporcionar momentos como esses de hoje, sei que vai valer a pena sempre ter um sorriso no rosto, seja pra quem for.