Não conheço a sensação de uma voadora na boca do estômago, mas acredito que seja esta a comparação mais eficiente para explicar o impacto causado pelo filme Cama de Gato, do diretor paulista Alexandre Stockler.
A fita possui uma qualidade cada vez mais rara no filmes atuais: não existe a possibilidade de permanecer indiferente a ele. É impossível sair igual deste mergulho. É um legítimo exemplar do estilo “ame-o ou odeio-o”.
Um turbilhão de pensamentos, possibilidades e, algumas vezes, repulsa nos acomete durante e após o filme.
Ele conta a história, em uma espécie de documentário, de três jovens de classe média que apenas “querem se divertir”, segundo palavras de um deles. Essa diversão consiste em festas, shows, mulheres e bebida, atitudes totalmente normais e comuns na nossa geração. E é aí onde se aloja o impacto mais profundo, pois, todo o absurdo que estes jovens cometem poderiam ser executados por nós, também jovens da mesma idade. Inclusive, várias cenas inseridas no filme, foram sugeridas por jovens reais, entrevistados antes da finalização do filme e questionados sobre como reagiriam em determinadas situações. E isso assusta.
Porém, essa diversão extrapola o limite do ético e do moral, e chega às raias da loucura, culminando com um estupro seguido de morte. Esta é a base de todo o roteiro, pois através de vários diálogos clichês sobre religião, política, vida, inseridos com maestria no decorrer do filme, somos obrigados a parar um instante para pensar se não estamos correndo o risco de agirmos exatamente da mesma maneira.
As entrevistas reais no início e no final do filme, nos confirmam como uma geração muitas vezes alienada do importante, pois, procuramos apenas a diversão, apenas o benefício próprio, muitas vezes não importando se é necessário passar por cima de alguém.
Um exemplo de que o filme não mente pode ser facilmente encontrado naquele inacreditável caso em que jovens da classe média alta Brasiliense puseram fogo em um índio que dormia na rua. Ao perguntar para um dos adolescentes “por que vocês colocaram fogo num índio?”, o promotor obteve como resposta a pérola “Eu não sabia que ele era um índio!!”. Inacreditável! O cara confunde tudo, ele não vê como algo errado o fato de ter queimado um ser humano, ele pensa que o problema é o índio!!! Assim somos nós, muitas vezes. Confundimos o sujeito e o objeto direto, utilizando palavras bem conhecidas por nós.
Em Cama de Gato, em uma das entrevistas, perguntado sobre a existência de Deus, ou alguma força que nos levasse a crer, à fé, um jovem lança outra frase, muito verdadeira atualmente, por sinal: “O jovem não precisa de alguém pra crer, precisa de alguém pra por a culpa”. Ponto.
Infelizmente, esse filme foi censurado nacionalmente, praticamente boicotado pelo governo Federal em suas tentativas de captação de recursos em 2000 e 2001. Mas foi adiante, conseguiu atores que se entregaram de corpo e alma sem cobrar cachê, como Caio Blat e, com apenas R$13.000,00 e nos deu uma demonstração de que podemos conseguir o que queremos se lutarmos, se não nos entregarmos. Exatamente como nós, jovens, devemos ser hoje e sempre!
Pra finalizar, uma frase apresentada no início e no final e que combina perfeitamente com a intenção do filme: “De que adianta ter todo o espaço do mundo pra se comunicar, e não ter nada pra falar?". Alexandre Stockler teve muito o que falar.